Meu depois está tão longe de mim, que nem responde
quando eu chamo. Só não está mais longe de mim do que eu mesma. Faz um bom
tempo que não me encontro. No meio dos destroços, onde me incluo destroçada, o palhaço
de brinquedo é ameaça macabra; pode me dar o bote a qualquer momento. Fico só
olhando. Ele me olha de volta. Vamos ver quem pisca primeiro.
– Ai, que susto! – dou um berro, mas logo me afino. Silêncio! –
contenho meus excessos. A vizinha Margareth pode ouvir, aparecer e me convidar
para jantar na casa dela. Gritei porque meu pé ficou enroscado na
canela e deu um nó. Quase me espatifo, dentes no chão.
Alguém
já disse para ter medo da tristeza. Não é um sentimento morto, como se imagina.
A tristeza é um ser vivo: tem pernas e braços enormes, e, quando chega perto, me
embrulha para dentro de uma cova sem deixar vestígio de gente do lado de fora. Sem
perceber, lá vou eu, nos braços da tristeza para lugar nenhum. Meu chão hoje balança. A cadeira onde me sento
tem os pés fincados na beiradinha de um abismo - uma leve mexida e
despenco.
Tanta história amassada dentro das caixas de
mudança que adio o momento de abri-las. Quando
eu começar a desembrulhar tudo, nem sei. Medo de tocar nas roupas e nos objetos.
Parecem vivos também. Vai que uma das camisas me enforca no fingimento de um
abraço de pêsames?
Chegaram ao final da tarde as caixas. Anoiteço
junto. E me desembrulho. Os pedaços do tempo estão esmigalhados no que se
aperta ali dentro. O resto se esparrama em frangalhos por todo um quarto de
despejo.
A casa está tomada por insetos. Baratas
vermelhas com bolinhas brancas nas costas, joaninhas transgênicas; pernilongos
gigantes, mas bobos, que não voam e se deixam matar com facilidade. E ainda lacraias sobem e descem pelos armários.
Os bichos se misturam às roupas e aí acontece: pego uma peça e, de repente, esmago
um deles. Será que todos eles podem me ver ou só eu os vejo? Se a barata não
tiver olhos de ver quem delira sou eu.
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