Meu ponto G
Outro dia fui ao dentista com
uma blusa nova. De malha, bege. Só que me esqueci de tirar o selo G (de grande,
de gigante, de gorrrrda) que vinha preso justamente logo acima do peito. Fosse
porque o G era bem grande mesmo e sobressaía na blusa clara, fosse porque o
dentista estava nada discretamente de olho no meu peito, o fato é que ele, o
dentista, me avisou da existência do tal ponto G cravado ali, no meu
peito. Eu, em vez de me sentir invadida
no meu mais profundo G por uma pessoa que mal conheço, me senti pequena e
indefesa diante da grande gafe. Por que motivo o dentista olhava meus
peitos? Estaria minimamente interessado em mim? (Devo esquecer a suspeita
erótica. O ridículo de se achar atraente por um homem jovem é quase um surto de
Alzheimer.)
O problema não é mundo nem são as pessoas. Eu
é que preciso criar um habitat agradável para mim – ao meu redor só cabe eu +
eu. Ocupo um espaço tão imenso que não vejo mais ninguém; se me deixei levar
pelo amante amassado foi porque também ele me nublava a visão. Nossa, sou de
repente uma gorda pensante. Como, em tantos anos de análise, não pensei nisso
antes? Vou querer meu dinheiro de volta. Estou fazendo o trabalho sujo do
analista. Não é ele quem me deve respostas? Saio sempre de lá com as mãos
cheias de mais perguntas, que vantagem há nisso? Logo agora que meu dinheiro é
escasso, aposentada, não dá para pagar um spa e ir ao analista ao mesmo tempo.
É muito luxo para uma gorda sozinha como eu.
Estou
a ponto de preferir o spa e para lá despejar meus quilos a mais, viver um tempo
de muita fome, comer mato e me encher de gases – no fim, vou chegar ao
consultório resoluta para pedir o que ele, o analista, me deve. Sim, porque
alguém tem que me dever alguma coisa neste mundo. Me assanho quando penso que o
spa possa ser um lugar cheio de gente nova para conhecer.
(do romance Esquecer-te de mim, 2011)
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