quinta-feira, 30 de maio de 2013

Meu ponto G

         Outro dia fui ao dentista com uma blusa nova. De malha, bege. Só que me esqueci de tirar o selo G (de grande, de gigante, de gorrrrda) que vinha preso justamente logo acima do peito. Fosse porque o G era bem grande mesmo e sobressaía na blusa clara, fosse porque o dentista estava nada discretamente de olho no meu peito, o fato é que ele, o dentista, me avisou da existência do tal ponto G cravado ali, no meu peito.  Eu, em vez de me sentir invadida no meu mais profundo G por uma pessoa que mal conheço, me senti pequena e indefesa diante da grande gafe. Por que motivo o dentista olhava meus peitos? Estaria minimamente interessado em mim? (Devo esquecer a suspeita erótica. O ridículo de se achar atraente por um homem jovem é quase um surto de Alzheimer.)
         O problema não é mundo nem são as pessoas. Eu é que preciso criar um habitat agradável para mim – ao meu redor só cabe eu + eu. Ocupo um espaço tão imenso que não vejo mais ninguém; se me deixei levar pelo amante amassado foi porque também ele me nublava a visão. Nossa, sou de repente uma gorda pensante. Como, em tantos anos de análise, não pensei nisso antes? Vou querer meu dinheiro de volta. Estou fazendo o trabalho sujo do analista. Não é ele quem me deve respostas? Saio sempre de lá com as mãos cheias de mais perguntas, que vantagem há nisso? Logo agora que meu dinheiro é escasso, aposentada, não dá para pagar um spa e ir ao analista ao mesmo tempo. É muito luxo para uma gorda sozinha como eu. 
        Estou a ponto de preferir o spa e para lá despejar meus quilos a mais, viver um tempo de muita fome, comer mato e me encher de gases – no fim, vou chegar ao consultório resoluta para pedir o que ele, o analista, me deve. Sim, porque alguém tem que me dever alguma coisa neste mundo. Me assanho quando penso que o spa possa ser um lugar cheio de gente nova para conhecer. 
       
          Se eu me distrair com gente, quem sabe me esqueço da fome, faço que nem vejo mais a geladeira com a qual estou cada vez mais parecida, aliás.  Por afinidade de corpos, nós afinamos a amizade – quando eu afilar, não vou mais querer tanta conversa fiada com a geladeira. Tão pouco vou querer graça com homens amassados quando eu me desembolar de mim. Esquecer-me da minha pior parte; esquecer o tanto de ruim que ele foi (ainda é) em mim. Esquecer-te de mim.

(do romance Esquecer-te de mim, 2011)