sábado, 27 de julho de 2013

Novos "aires", novas ideias

       Gosto de escrever sobre os espaços, mas não especialmente sobre o que eu vejo e sim o efeito emocional que um determinado espaço cria ao redor do meu próprio espaço físico. Talvez seja por este motivo que não sou uma viajante contumaz. Não gosto muito de sair do meu chão de todo o dia e só com algum custo me elaboro para uma viagem de maior fôlego. Tenho um pouco de medo do "efeito" que um determinado espaço vai gerar em mim... Há boas razões para este temor. Logo vocês saberão, porque transformei um destes efeitos físicos em ficção: meu próximo romance, que será lançado no ano que vem. 

        Ocorre que às vezes a descoberta de um novo lugar é feliz, radiante, e me faz querer pertencer a outros cenários. Aconteceu na Argentina e, mais especialmente, na Patagônia. Eu já conhecia Buenos Aires, mas tinha feito uma viagem muito rápida há alguns anos e não tive tempo de sentir os efeitos da paisagem nem beber o vinho que eu queria, conversar com tantas pessoas como fiz desta vez nem comer da carne, do pão, do queijo certo... Pude agora fazer uma viagem mais longa e, então, conhecer restaurantes e bares muito argentinos, livrarias, museus, recantos... Mais do que tudo: amanheci alguns dias na Patagônia e posso dizer: aquilo não é um lugar, mas uma experiência. 

       Voltei tão cheia de vinhos como de ideias, projetos e histórias. É como se o efeito de uma redescoberta argentina continuasse acontecendo e eu continuasse acordando e adormecendo na Patagônia todos os dias. Por um bom tempo será assim.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Este é meu segundo livro infantil. Já lancei em São Paulo e agora será a vez do Rio de Janeiro. Lá na Livraria Blooks, que fica dentro do Arteplex, na Praia de Botafogo. Um lugar lindo, uma livraria charmosa, onde tem um espaço infantil para contação de histórias e muito mais. Vamos fazer um concurso literário! Apareçam: a partir das 15 horas.


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Meu ponto G

         Outro dia fui ao dentista com uma blusa nova. De malha, bege. Só que me esqueci de tirar o selo G (de grande, de gigante, de gorrrrda) que vinha preso justamente logo acima do peito. Fosse porque o G era bem grande mesmo e sobressaía na blusa clara, fosse porque o dentista estava nada discretamente de olho no meu peito, o fato é que ele, o dentista, me avisou da existência do tal ponto G cravado ali, no meu peito.  Eu, em vez de me sentir invadida no meu mais profundo G por uma pessoa que mal conheço, me senti pequena e indefesa diante da grande gafe. Por que motivo o dentista olhava meus peitos? Estaria minimamente interessado em mim? (Devo esquecer a suspeita erótica. O ridículo de se achar atraente por um homem jovem é quase um surto de Alzheimer.)
         O problema não é mundo nem são as pessoas. Eu é que preciso criar um habitat agradável para mim – ao meu redor só cabe eu + eu. Ocupo um espaço tão imenso que não vejo mais ninguém; se me deixei levar pelo amante amassado foi porque também ele me nublava a visão. Nossa, sou de repente uma gorda pensante. Como, em tantos anos de análise, não pensei nisso antes? Vou querer meu dinheiro de volta. Estou fazendo o trabalho sujo do analista. Não é ele quem me deve respostas? Saio sempre de lá com as mãos cheias de mais perguntas, que vantagem há nisso? Logo agora que meu dinheiro é escasso, aposentada, não dá para pagar um spa e ir ao analista ao mesmo tempo. É muito luxo para uma gorda sozinha como eu. 
        Estou a ponto de preferir o spa e para lá despejar meus quilos a mais, viver um tempo de muita fome, comer mato e me encher de gases – no fim, vou chegar ao consultório resoluta para pedir o que ele, o analista, me deve. Sim, porque alguém tem que me dever alguma coisa neste mundo. Me assanho quando penso que o spa possa ser um lugar cheio de gente nova para conhecer. 
       
          Se eu me distrair com gente, quem sabe me esqueço da fome, faço que nem vejo mais a geladeira com a qual estou cada vez mais parecida, aliás.  Por afinidade de corpos, nós afinamos a amizade – quando eu afilar, não vou mais querer tanta conversa fiada com a geladeira. Tão pouco vou querer graça com homens amassados quando eu me desembolar de mim. Esquecer-me da minha pior parte; esquecer o tanto de ruim que ele foi (ainda é) em mim. Esquecer-te de mim.

(do romance Esquecer-te de mim, 2011)


quarta-feira, 15 de maio de 2013


Meu novo infantil Nina e lamparina (Editora DSOP), foi lançado no dia 19 de maio,
na Livraria da Vila, em São Paulo. O livro é uma reflexão sobre o medo do escuro e a construção das ferramentas individuais para clarear o pensamento, o caminho e a coragem.

domingo, 12 de maio de 2013

Nina e a lamparina


Quem está dentro dos sonhos da noite pode, de repente, encontrar-se dentro dos pesadelos da escuridão... Foi o que aconteceu com a Nina, personagem deste meu segundo infantil. Quer saber mais? A gente vai estar na Livraria da Vila, São Paulo, no dia 19 de maio, às 15h. Por enquanto, é saber: Nina e a lamparina, editora DSOP, ilustrações de Cecília Murgel.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

sábado, 9 de março de 2013

LOW SKY
(trecho)


       Não era frio de neve. Se a neve fosse frequente, os cenários se sentiriam habitados. A neve povoa: as crianças aparecem para fazer bolas, os próprios adultos brincam de fazer pegadas de urso no chão alto. Mas e o frio sem neve? É deserto sem praia, calor sem horizonte. Reparando bem, o céu de lá é mais baixo, parece que vai esmagar a gente - low sky, low sky... Talvez não seja nada disso, eu é que me apequenava - ou sumia? - em meus apocalipses diários.
      O acinzentado daquela estação e de todas as outras quase inteiramente iguais transformava manhãs em tardes e tardes em noite. Todos os dias eram iguais, onde me encontrar se eu tinha a impressão de que saía de um ponto e não parecia ter tirado os pés do chão na direção de outro ponto? Nada amanhece verdadeiramente em lugares assim. A luz não entra pela frestas, tão fina e transparente que se dissolve antes de ter força para entrar nos lares, que permaneceriam escuros não fossem as lâmpadas.



domingo, 3 de março de 2013

Um trecho desta história está em http://www.revistapessoa.com/2012/06/centopeia/






       Eis uma família desnorteada: mãe, pai, irmã, cachorro e periquito - o cachorro desmaiou, o periquito enlouqueceu depois de falar todo um dicionário, a mãe inundou o carpete de tanto choro; o pai dava voltas e voltas ao redor de si mesmo e se enroscava no fio do telefone, enquanto tentava ligar para o médico, doutor Jocreu. E a vizinha? Desmaiou em cima do cachorro!
       Que dia mais louco foi aquele! Ninguém podia explicar como uma menina de repente vira centopeia. A irmã mais velha, que se chamava Mariana, a única da casa que não costuma chorar simplesmente porque meninas viram centopeias, fingia que nada tinha acontecido. Olha a cara fingida de não-espanto dela! E assim tentava animar a irmã esparramada na cama:

- Pense no lado bom de ter tantos pés: você poderá usar todos os seus pares de sapato ao mesmo tempo!

sábado, 2 de março de 2013

O primeiro romance: Esquecer-te de mim

          Meu depois está tão longe de mim, que nem responde quando eu chamo. Só não está mais longe de mim do que eu mesma. Faz um bom tempo que não me encontro. No meio dos destroços, onde me incluo destroçada, o palhaço de brinquedo é ameaça macabra; pode me dar o bote a qualquer momento. Fico só olhando. Ele me olha de volta. Vamos ver quem pisca primeiro.
 – Ai, que susto! – dou um berro, mas logo me afino. Silêncio! – contenho meus excessos. A vizinha Margareth pode ouvir, aparecer e me convidar para jantar na casa dela. Gritei porque meu pé ficou enroscado na canela e deu um nó. Quase me espatifo, dentes no chão.
  Alguém já disse para ter medo da tristeza. Não é um sentimento morto, como se imagina. A tristeza é um ser vivo: tem pernas e braços enormes, e, quando chega perto, me embrulha para dentro de uma cova sem deixar vestígio de gente do lado de fora. Sem perceber, lá vou eu, nos braços da tristeza para lugar nenhum.  Meu chão hoje balança. A cadeira onde me sento tem os pés fincados na beiradinha de um abismo - uma leve mexida e despenco. 
Tanta história amassada dentro das caixas de mudança que adio o momento de abri-las.  Quando eu começar a desembrulhar tudo, nem sei. Medo de tocar nas roupas e nos objetos. Parecem vivos também. Vai que uma das camisas me enforca no fingimento de um abraço de pêsames?
Chegaram ao final da tarde as caixas. Anoiteço junto. E me desembrulho. Os pedaços do tempo estão esmigalhados no que se aperta ali dentro. O resto se esparrama em frangalhos por todo um quarto de despejo.
A casa está tomada por insetos. Baratas vermelhas com bolinhas brancas nas costas, joaninhas transgênicas; pernilongos gigantes, mas bobos, que não voam e se deixam matar com facilidade.  E ainda lacraias sobem e descem pelos armários. Os bichos se misturam às roupas e aí acontece: pego uma peça e, de repente, esmago um deles. Será que todos eles podem me ver ou só eu os vejo? Se a barata não tiver olhos de ver quem delira sou eu.
https://soundcloud.com/stream

http://www.youtube.com/watch?v=qqTICTXmSLM

Livro de resenhas publicadas na Revista Pessoa: Delicados Abismos


        Pescar em Clarice Lispector o título desta seleção de resenhas/sugestões de leitura é confirmar a óbvia contemporaneidade da autora de A paixão segundo GH. Não existiria ainda uma nova Clarice – certo? Sim, mas não é da conta do tempo de agora pensar em perspectiva; quais se salvarão em genialidade dentro destes autores aqui reunidos, somados a tantos outros e que apenas por uma questão de timing ficaram de fora, só o tempo dirá. Por enquanto, o que nos compete é pensar no que estes autores do hoje estão fazendo para alargar o pensamento e a palavra; em que medida, e por que motivo, são bons contemporâneos e merecem ser conhecidos, lidos, apreciados e estudados.
         Delicado + abismo. Clarice produz um choque interessante, juntando ideias que não combinam em nada; muito pelo contrário: estranham-se a ponto de arranharem-se. Estas palavras são absolutamente apropriadas para descrever as profundezas a que a autora se lançou. É delicada a sua prosa – folha de outono tocando os cílios como um milagre, acácias e sombras se balançando fora das janelas em manhã de um sábado... são algumas imagens usadas por Clarice em seus textos. Um exemplo: “Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza”, está em um dos fragmentos de A descoberta do mundo. Contudo, existe o abismo. E é nele que a escrita de Clarice se joga com força e brutalidade em praticamente tudo. A “desordem” de que fala a citação acima é exatamente o caos, o estado de não aceitação de uma situação (linguística, especialmente) habitual.
         Clarice desparafusa o cotidiano, a pontuação e os elos que usualmente fazem as palavras combinarem entre si. Para atravessar a noite insone e sem fantasmas (inútil querer povoá-la, como as noites de Berna, na crônica “Noite na montanha”), não só é preciso coragem, como é urgente romper os velhos laços (de família?) e lançar-se no abismo – o ponto de partida de uma escrita tensa, como a corda esticada até o limite; mais um pouco e tudo se rompe. Mais um passo, e eis a queda fatal.
        Penso que boa parte da literatura de hoje deve-se muito ao “delicado abismo” de Clarice Lispector. A delicadeza a que me refiro não é, naturalmente, a delicadeza ingênua que aflora sem os sobressaltos, claro que não, mas sim uma delicadeza de espuma (usando a feliz metáfora de João Carrascoza) que faz pensar em um momento mínimo de tranquilidade, um instante-já em que a palavra consegue flutuar, mas que logo será desmanchado porque, todos sabem, a vida é carvão (Ana Paula Maia). É preciso, então, chacoalhar o pensamento e os gestos, pois, de repente, tudo se incendeia; tudo se espatifa e descarrila; tudo cai (diário de nossas quedas, bem o conhece Michel Laub) e o que era doce vira (vermelho) amargo (Bartolomeu já sabia disso).