quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Silêncio!

          Quem já trabalhou em redação sabe muito bem que esperar silêncio para escrever é o mesmo que pedir demissão. Sempre escrevi do jeito que dava, às pressas, com barulho, papo, fofoca, televisão, enfim, uma verdadeira orquestra. De uns tempos para cá, porém, com a vinda dos filhos e o meu feliz sumiço das redações, tenho notado que preciso cada vez mais do silêncio. Se o silêncio estiver no cenário de uma noite com grilos melhor ainda. Quer dizer, os grilos são para enfeitar o cenário desta cena; eles não são tão necessários assim.
            O barulho e a confusão de crianças que pedem, brigam, lutam por espaços e afeto é tão imenso, que eu às vezes preciso implorar para que elas se recolham ao sono. O silêncio chega, então. É quando eu quase acredito que sou uma ótima mãe e posso ouvir o que tenho a dizer. No meio da algazarra, eu grito e não me escuto; parece que fiquei oca no momento em que a maternidade me requisita todos os ouvidos e sentidos. Ah, elas dormem e eu me escuto enfim...
           Há dias em que dentro da concha não consigo ouvir o barulho do mar. É quando estou cansada demais para ouvir o que tenho a dizer, e o melhor a fazer é aproveitar o silêncio de outra forma: escrevendo sem escrever, ou seja, deixar que o pensamento pense sem a obrigação de virar papel.Ando mesmo cansada, mas acho que é de emoção. Não sei bem... Acho que preciso de mais noites silenciosas para ouvir o que meu cansaço está querendo me dizer. Desconfio que seja uma transformação que vai suspender meus pés um tanto acima do chão. Depois eu conto mais.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Não grita com Anita (to be continued...)

Era assim: de quando em quando, Anita acordava estranha: os olhos iam parar perto da orelha, a orelha a gente só encontrava perto da nuca, e a boca descia para o queixo - quase um monstro ela ficava. Anita era vaidosa à beça e gostava de espelhos. Nenhum deles, porém, era capaz de corrigir o reflexo daquela repentina transformação.

Um mistério morava naquela casa. E todos perguntavam: o que acontecia dentro de Anita - ou fora dela - para de uma hora para outra ela acordar como se estivesse do avesso?

Era um disse-me-disse daqueles. Olhares se esbugalhavam, e algumas pessoas, principalmente crianças, quase tropeçavam e caíam na rua quando Anita passava do avesso – não viam o chão, só ficavam olhando para a cara da menina.

Alguém há de perguntar: e os pais de Anita, onde estavam que não procuravam um médico para resolver o tão misterioso problema do avesso da menina? Vamos com calma. Mistérios não se resolvem do dia para a noite. De qualquer forma, era do dia para a noite que tudo se transformava.


Alguém também há de querer saber: e Anita, quando se olhava no espelho e via seu próprio horror, o que dizia, o que pensava e, principalmente, o que sentia?

domingo, 16 de outubro de 2011

Acordar para dentro

Hoje ouvi uma frase que me deixou encantada: lembrar do sonho é acordar para dentro. Independentemente do que a expressão quer dizer em termos científicos, relacionando-se ao período em que o pensamento se prepara para despertar, logo fiz conexões com a vida na vertical, do lado de cá do sono. E refleti sobre a pergunta: com o que sonhamos? A gente quer tanta coisa... Como aquela criança que tem tudo no dia 12 de outubro; acaba não pedindo nada ou pedindo tudo ao mesmo tempo.

Então, acordar para dentro é conhecer/entrever o que se quer - com o que sonhamos? O que nossa alma mais deseja? Muitas vezes, os sonhos são mascarados por tantos excessos ou confundidos com tantos disfarces que, no íntimo, se alguém perguntar a verdade corremos o risco de mentir por pura falta de prática em seremos absolutamente autênticos com a gente mesmo.


Fiquei pensando se eu sei com exatidão tudo o que mais quero/sonho na vida, além do amplo e genérico ser feliz. Talvez eu tenha alguns sonhos dublados que um dia irão ganhar clareza e contornos próximo a um despertar. Eu, que me sinto tão dona de mim e dos meus princípios, talvez não tenha ainda acordado por dentro totalmente. Acordar para dentro, quanta reflexão cabe neste despertar profundo. Não existe o sono profundo? Pois existe também um despertar profundo, que é, acho, quando a gente decide acordar. Por dentro.


Com o que sonha a sua alma?

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Mania de guardar

Hoje comprei mais um porta-joias.  O curioso é que nem tenho muita joia. Não posso ver uma caixinha cheia de divisões que logo me antecipo para comprar o que não preciso e guardar o que nem tenho de sobra para guardar tanto.  É mania. Mania de guardar, de organizar tudo em potes, caixas e malinhas - e nem sou tão organizada assim. Daí me lembrei de que esta é uma mania antiga. Quando eu era pequena, devia ter uns 5 anos, ficava horas organizando minhas coisas em pequenas malas que cabiam na mão. Aquilo era um ritual. Eu secretamente achava que tudo o que era importante para mim tinha de ser guardado de forma que fosse fácil ser carregado quando a casa pegasse fogo e eu precisasse fugir correndo. Eu não pensava "se" a casa pegasse fogo; eu tinha "certeza" de que pegaria fogo. A coisa era séria.
Agora elaboro tudo isso e penso: a mania de guardar é medo de perder. Não que eu seja muito ligada às coisas, mas a sensação de que meu chão pode se abrir de repente ou de que as paredes que me abraçam podem se esfarelar do dia para noite é um pensamento segundo que lateja de vez em quando. Claro que não sou neurótica e tudo isso fica lá no fundos - meu porão secreto que meu blog vai abrindo pouco a pouco.
Minhas caixinhas são lindas. Esta nova é uma mistura de caixa e mala, com chave e tudo. Dá pra guardar as poucas joias em divisões que separam os brincos e os colares, tudo em seu lugar. Adoro cada coisa em seu lugar, mas minhas ideias são tão embaralhadas e meu pensamento nem é tão ordenado assim... Nossa, sou uma contradição só.

domingo, 24 de julho de 2011

Medo do escuro

Até eu, que hoje me acho tão grande e forte, não escapei. Tinha medo de quando a luz do quarto era desligada e abruptamente todos os adultos da casa (só eram dois, meu pai e minha mãe) sumiam na escuridão. Meu irmão ainda não existia, e eu não tinha com quem dividir aquele medo enorme. Antes de gritar para que o primeiro adulto viesse ao meu socorro, eu me atemorizava com os bonecos do quarto que se agigantavam diante de mim.Como a gente esquece facilmente os medos de criança. Quantas vezes sou incapaz de compreender o medo da minha filha. No fundo eu acho que ela precisa ser mais forte e destemida do que eu fui. E até do que eu sou. Ohando assim para trás, vejo que tenho sido quase nada tolerante com os medos que já venci, mas que outros ainda não venceram.Venci? Será mesmo? Não sei. Eu não seria capaz de domir sem medo em um lugar escuro sem nenhum rosto amigo por perto. Deixa eu explicar melhor: estou tão acostumada a ter minhas filhas ao meu redor, cuidando do medo delas, que não tenho prestado muita atenção no que me daria medo hoje, isto é, se eu ainda teria medo do escuro em condições pouco simpáticas - uma fazenda no meio do nada, por exemplo.Ah, mas é tão pouco provável flagrar esta que vos escreve em uma fazenda e, além do mais, em uma fazenda no meio do nada... melhor pensar em outro cenário. Talvez eu esteja precisando fazer um inventário dos meus medos de agora e checar até que ponto sou grande e forte como penso. Que nada. A filha que tem medo do escuro, de apenas 5 anos, só não embarca em uma montanha-russa porque a mãe, no caso eu, medrosa, não permite.Sim, meu guardatório de confissões: nunca andei de montanha-russa de verdade, a não ser aquelas bem pequenas. Não tenho medo. Tenho pavor.

sábado, 16 de julho de 2011

Meu guardatório

Adorei esta palavra: guardatório. Vou logo dizendo que não é minha; roubei da Anne, minha filha de 5. Ela tem uma caixa de óculos que denominou de "meu guardatório" e põe ali os achados que supõe um dia precisar - coisas tão valiosas quanto uma rolha de vinho que ela catou no restaurante, uma presilha de cabelo descascada, um bonequinho que encontrou na brincadeira de caça ao tesouro no pátio de areia do colégio. O guardatório é quase um cofre de coisas perdidas e recuperadas.Não é só a Anne que tem um guardatório - eu também tenho! Só que meus guardados são palavras que eu guardo para não esquecer. Tenho memória fraca, confesso. O que ouço, e muitas vezes o que digo, pode voar com facilidade para fora de mim e eu nunca mais encontro nem o que ouvi nem o que eu disse. Por isso, tenho gostado tanto do facebook e agora deste meu Teapot; eis aqui meu guardatório que vos apresento e compartilho.Guardo meus pedaços de rotina, os casos, as possibilidades de histórias, meus engasgos, como já disse, e quem sabe até alguns segredos. Partilhar palavras é uma forma de guardá-las; no ouvido do outro, na emoção do amigo, fica ali o que se escreveu e o que se disse. Se eu esqueço, quem sabe alguém um dia vai lembrar? E se eu mesma esquecer, volto aqui e releio tudo.Meu guardatório é meu Teapot. Alguém está servido?

domingo, 3 de julho de 2011

O Guto

Guto mora com a gente há uns dois anos. Fui eu quem colocou Guto em nossa casa. Nunca imaginei que o sucesso fosse tão imediato e que Guto se tornasse um de nós tão rapidamente. Guto não é um animal doméstico, digo logo, porque eu salvo as baleias, mas detesto bicho em casa - nem se minha sinusite deixasse...  A alergia não tem culpa. Não gosto nem de aquário na sala porque dá trabalho limpar a água. Minha sinceridade pode me custar milhões de amigos agora.Voltando ao Guto. Ele é amarelo e parece um travesseiro, mas é um cachorro de orelhas grandes. A companhia de todas as noites da minha filha mais nova, Anne. Ela não dorme sem o Guto a menos que esteja dormindo comigo - aí o Guto é dispensado solenemente. Anne precisa de "alguém" perto dela. Esse "alguém" pode ser o Guto, que virou pessoa desde que o primeiro dia que chegou por aqui.Fiquei pensando em até quando Anne vai acreditar que o Guto realmente toma conta dela. E depois pensei: quando é que a gente deixa de acreditar que alguém nesse mundo tem o poder de tomar conta da gente? Descobri de uma forma bem dolorida que ninguém toma conta de ninguém - quando se está só diante do mundo é só diante do mundo que a gente ajoelha e espera a dor passar. Por mais que se esteja rodeado de gente, as pessoas não têm o poder de aplacar a grande solidão.Mas eu quero mesmo é falar do Guto. Ele está dormindo enquanto minha filha brinca. Logo será acionado novamente para tomar conta do sono dela - Anne gosta de colocar o Guto na cabeça para vedar a claridade do corredor iluminado. Tem medo do escuro, mas não gosta da luz na cara. Ah, como é bom ter um Guto por perto. Tomara que ela demore muito a perceber que ele é feito de espuma e nunca foi pessoa.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Meus engasgos

O que mais me engasga é quando fico muito emocionada e preciso segurar o choro para não parecer  ridícula no meio da multidão. Não me importo em parecer - ou ser - ridícula, tola ou qualquer coisa semelhante entre meus próximos, mas me intimida chorar no meio de muitos. Acontece que tudo me emociona. Sou daquelas que se sensibiliza com a vida. Nada para mim é banal. Ah, mil pedras me jogarão, bem sei... Lembram do que eu avisei? No meu blog, além das maluquices da minha casa, eu falaria de coisas engasgadas, assim como minha filha mais velha resolveu usar os diários para o desabafo... Então. Hoje eu me emocionei demais ao ver minha filha mais nova vencer a timidez e fazer uma bela apresentação de ginástica para os pais no colégio. Ela não se escondeu lá atrás, como eu pensei que fosse fazer, nem se enroscou na professora, nem fugiu como das outras vezes. Encarou a linha de frente. Fez bonito, sorriu para a câmera, agradeceu os aplausos. Quanta coisa tola e sem importância para qualquer pessoa além da mãe dela - eu mesma! - mas quanta emoção - engasgo - para mim. Como bem escreveu Clarice Lispector não me lembro onde, umas das experiências mais sublimes na vida é acompanhar alguma coisa amadurecer. "A coisa" pode ser não só uma pessoa (no caso os filhos), mas tudo o mais: um sentimento, uma amizade, quem sabe um amor. O amadurecimento das coisas traz para o olhar de quem viu tudo acontecer uma dormência que tem a sensação de paz. Minha filha Anne não foge mais de apresentações porque está, não só crescendo em seu tamanhão, como também amadurecendo. Acompanho seus passos com um festejo íntimo. E choro baixinho para ninguém ouvir; seguro tudo para só desabar depois, quietamente. Como agora. Eu chorava o tempo todo e vocês nem perceberam.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Alguém viu minha lagarta de unhas pintadas?

Trabalho em casa. Isso quer dizer que meu escritório é frequentemente invadido pelas minhas filhas em busca de folhas brancas, grampeador, clips, marcadores, enfim, tudo o que elas inventam de precisar sempre quando estou tentando me concentrar. Há muito tempo deixei de reclamar da invasão. Não adianta. Quanto mais elas me observam ocupada, mais querem me ocupar com suas preocupações. Outro dia, por exemplo, eu estava no escritório quando a menor, Anne, irrompeu com toda a seriedade de seus 5 anos e me perguntou: mamãe, não consigo encontrar minha lagarta de unhas pintadas! Achei tão curiosa a ideia de ter uma lagarta de unhas pintadas em cativeiro que imeditamente larguei o que estava fazendo e fui procurar a tal lagarta. Um bicho que eu nem sonhava que existia em minha casa. A lagarta não foi encontrada, mas logo comecei a imaginar o começo de uma história.
Anne também foi quem, com a mesma seriedade com que falou da lagarta, pediu: queria que você escrevesse uma história sobre uma sapa chamada Alfreda. Claro! Que outro nome poderia ter uma dona sapa senão este, Alfreda?As "invasões" ao meu escritório me atrapalham por um lado; por outro, muitas vezes me enchem de novas ideias, coisas insondáveis - assim como a lagarta de unhas pintadas... Quando as meninas estão no colégio ou dormindo, como agora, começo a elaborar alguns dos projetos lançados no ar como brincadeira ao longo das manhãs: somos um trio que pensa criativamente e esta é a nossa maior força.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O diário das coisas engasgadas

Tenho uma filha de 7 anos que se chama Amelie e outra de 5 que se chama Anne. As duas são tagarelas. Começam a falar de manhã cedo e às vezes até dormindo continuam falando. Sou uma mãe-ouvido ambulante: elas não se contentam em falar; preciso prestar atenção no que dizem, claro. Para não me cansar de tanto falatório, resolvi tirar vantagem: o que parece bobagem de criança para alguns, para mim vira material de trabalho. Aprendi a diluir ideias e fazer histórias aquareladas. Nem todas posso contar por enquanto. Uma delas vou antecipar: é o diário das coisas engasgadas.Devo explicar como surgiu a ideia. Aí volto à primeira frase e à primeira filha - Amelie fala muito, mas tem, por outro lado, a mania de não falar sobre coisas que ela considera secretas. Quanto  se cala, meu ouvido descansa; ela vai alugar as páginas dos diários que se espalham pela casa. Em um deles, Amelie escreve sobre as coisas de que NÃO gosta: suas coisas engasgadas.É uma lista criativa e muito engraçada. Cenas dos próximos capítulos vão ocupar as linhas deste blog que inauguro hoje.Teapot, teapot, teapot... me pareceu algo como tic-tac, tic-tac,tic-tac... um tempo marcando o quanto estrou atrasada com mil projetos empilhados na mesa do meu escritório, enquanto a cabeça rola por aí, girando em muitos quadrantes. Esta sou eu: uma viajante imaginária. Não curto muito sair do meu espaço, mas meu eu é intergaláctico. Por que falei isso agora? Ah, é porque minhas filhas tiveram a quem puxar: também eu sou tagarela.
Estou cansada, são quase onze horas da noite, e elas continuam falando. Preciso de um chá que me tranquilize os ouvidos ou que me deixe bem acordada para continuar diluindo histórias antes de adormecer...  Depois, ao chá da manhã, vou dar as boas vindas às ideias que irão me rondar antes mesmo que eu beba o primeiro gole.