sábado, 9 de março de 2013

LOW SKY
(trecho)


       Não era frio de neve. Se a neve fosse frequente, os cenários se sentiriam habitados. A neve povoa: as crianças aparecem para fazer bolas, os próprios adultos brincam de fazer pegadas de urso no chão alto. Mas e o frio sem neve? É deserto sem praia, calor sem horizonte. Reparando bem, o céu de lá é mais baixo, parece que vai esmagar a gente - low sky, low sky... Talvez não seja nada disso, eu é que me apequenava - ou sumia? - em meus apocalipses diários.
      O acinzentado daquela estação e de todas as outras quase inteiramente iguais transformava manhãs em tardes e tardes em noite. Todos os dias eram iguais, onde me encontrar se eu tinha a impressão de que saía de um ponto e não parecia ter tirado os pés do chão na direção de outro ponto? Nada amanhece verdadeiramente em lugares assim. A luz não entra pela frestas, tão fina e transparente que se dissolve antes de ter força para entrar nos lares, que permaneceriam escuros não fossem as lâmpadas.



domingo, 3 de março de 2013

Um trecho desta história está em http://www.revistapessoa.com/2012/06/centopeia/






       Eis uma família desnorteada: mãe, pai, irmã, cachorro e periquito - o cachorro desmaiou, o periquito enlouqueceu depois de falar todo um dicionário, a mãe inundou o carpete de tanto choro; o pai dava voltas e voltas ao redor de si mesmo e se enroscava no fio do telefone, enquanto tentava ligar para o médico, doutor Jocreu. E a vizinha? Desmaiou em cima do cachorro!
       Que dia mais louco foi aquele! Ninguém podia explicar como uma menina de repente vira centopeia. A irmã mais velha, que se chamava Mariana, a única da casa que não costuma chorar simplesmente porque meninas viram centopeias, fingia que nada tinha acontecido. Olha a cara fingida de não-espanto dela! E assim tentava animar a irmã esparramada na cama:

- Pense no lado bom de ter tantos pés: você poderá usar todos os seus pares de sapato ao mesmo tempo!