domingo, 9 de setembro de 2012

Revelações

       Evito começar qualquer texto de lembrança com "quando eu era pequena". Acho enjoativo. Aprendi isso com as minhas filhas que ficam desanimadas sempre que eu conto alguma história com este início. Então:
        Na minha casa de infância, tinha um quarto de fundos onde funcionava o laboratório de fotografia do meu pai. Aos sábados, eu e ele costumávamos dormir tarde, enquanto o resto da casa desmoronava cedo. Eu ficava desenhando, enquanto ele se trancafiava naquele quarto revelando as fotos que havia tirado ao longo do dia. Eu ficava de tocaia, esperando para ver o resultado. Corria para os fundos assim que a porta se abria rapidamente e perguntava:
       - Tem alguma coisa pronta?
       Ele, sem nenhuma pressa, nem muita leitura da minha pressa, respondia:
        - Não dá pra ver nada ainda, só amanhã.
         E fechava de novo.
         Eu voltava para meus desenhos, imaginando quais teriam sido os cliques do dia, louca para ver alguma das fotos; pensava em quem eram as pessoas, os rostos que nasceriam daquelas águas com cheiro ruim de revelador.
         A batalha entre eu-pequena-desenhista e a demora do artista que se arrastava pelas madrugadas encontrando o ponto certo para cada obra era, enfim, perdida - eu, vencida pelo cansaço, recolhia-me para a noite do quarto, enquanto a noite no quartinho dos fundos só terminava de manhã.
          Assim que eu me levantava, via espalhadas pela sala do apartamentinho as fotos da noite - paredes, sofás, chão, tudo era tomado pelas fotos reveladas que, molhadas, ficavam secando por todo um domingo. Não era dia de sentarmos em nenhuma das cadeiras. Os móveis e toda a sala pertenciam à arte.
E eu ficava horas olhando tudo aquilo e fazia perguntas sobre cada uma daquelas fotos, queria saber a vida por trás dos personagens. De alguma forma, o varal que se tornava a sala da minha casa onde as fotos secavam era uma escola de fotografia para quem nem sabia desenhar.
        Não virei fotógrafa, mas acho que boa parte do que escrevo está impregnada de imagens, pois gosto de visualizar uma cena antes de criá-la em palavras. Um dia, adulta, eu disse ao meu pai (que nunca-jamais-em tempo algum me emprestou suas máquinas profissionais):
       - Eu queria tanto aprender a fotografar!
Ele me respondeu, sem nenhuma pressa:
       - Você já sabe. Só que fotografa com poesia.

Um comentário:

  1. Claudia, esse teu blog, ou esse teu teapot, como você gosta de chamar, é uma delícia! Essas "revelações" que você nos traz é sempre uma surpresa muito boa. E aos poucos, você conta pra nós um pouco de você e a gente que já gosta de ti, vai ficando ainda mais admirado pelas coisas lindas que você traz da tua história de vida.

    Teu pai tem toda razão, teu romance de estreia demonstra perfeitamente o quanto você realmente sabe fotografar com poesia, ainda que escreva em prosa, a essência poética não lhe falta. Não é à toa que você sabe valorizar o que é bom, tens um espírito nobre.

    Gostei muito desse teu novo texto e comentei porque esse é meu defeito: tenho que dizer mais do que "gostei"... hehe.
    Bjs

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